quarta-feira, 21 de maio de 2008

Debate Público sobre a questão tibetana no Rio de Janeiro - Relato do Prof. Tam Huyen Van (Cláudio Miklos)



Publicamos este relato do Prof. Tam Huyen Van sobre o Debate Público sobre a questão tibetana, realizado no Rio de Janeiro, no último dia 12 de maio, especialmente por sua clareza, consciência e serenidade nas colocações. Deixamos claro aqui que apoiamos todas as iniciativas do CBB - Colegiado Buddhista Brasileiro, do qual o Prof. Tam faz parte e é um de seus fundadores.

Prof. Tam Huyen Van do Zen Budismo Vietnamita (Thien)

Prezados Amigos,

Ocorreu nesta segunda, às 10 horas, no Plenário da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, o já divulgado Debate Público sobre a questão Tibetana. Gostaria de apresentar minhas impressões sobre o evento, após um pequeno período para reflexão e contemplação dos acontecimentos ocorridos.

Inicialmente, penso que seria importante valorizar e reiterar a importância do evento que, por si só, contribui grandemente para a consolidação da posição buddhista brasileira frente às questões de direitos humanos e valores éticos sociais, e fomenta - principalmente - a divulgação das propostas humanistas do Buddhismo.

O empenho demonstrado pela Vereadora Aspásia Camargo e o Deputado Fernando Gabeira foram, a meu ver, uma clara demonstração de que, apesar dos aspectos profundamente reprováveis associados à instituição política no Brasil e no mundo, não é sábio imputar a falta de respeito aos valores sociais a todos os membros da classe política indiscriminadamente; existem muitas personalidades políticas cientes de sua responsabilidade na defesa do exercício da ética e da reflexão saudável sobre os graves problemas que afligem a humanidade - seja no Brasil ou no outro lado do mundo.

Lamento, contudo, a pouca participação de buddhistas praticantes e simpatizantes.

Embora compreenda plenamente que o dia e horário não contribuíram para facilitar a presença de grande público, o fato de que o evento ocorreu apenas no Rio de Janeiro, e sempre considerando o aspecto não-doutrinário e não-coercitivo que fundamenta o exercício do Dharma (sem falar no fato inegável de que, no Brasil, o número de
buddhistas realmente praticantes é extremamente pequeno - há um número muito maior de pessoas simpáticas ao buddhismo, mas sem nenhuma real identificação com a prática do Caminho em sua profundidade), ainda assim gostaria de chamar a atenção de todos para a natureza de nossas opções de ação e mobilização em relação ao buddhismo e assuntos buddhistas. É preciso refletir melhor sobre quais ações podem ser realmente úteis e válidas, e quais ações seriam apenas fruto de um entusiasmo puramente romântico ou artificial em relação aos conceitos de esforço correto e ação correta.

Espero que, no futuro, eventos semelhantes possam contar com a presença mais efetiva de pessoas interessadas em valorizar o desenvolvimento das propostas de consciência e correto discernimento características do exercício ético buddhista na vida.

O caráter simples e despojado do evento, e o seu peso conceitual e reflexivo, foram cruciais para que uma porta fosse aberta no âmbito das ações buddhistas brasileiras.

A participação do monge Gensho (em seu grande discurso final, onde penso que foi dada uma resposta adequada e firme às atitudes lamentáveis do Consul Geral da China) e da monja Isshin (suas palavras gentis e admiráveis, e sua respeitável atitude de respeito humano e fraternidade ao representante chinês no evento), as afirmações contundentes e fortes do Reverendo Shaku Shoshin em defesa do povo tibetano, as ponderações compassivas e coerentes da Dra. Cerys e do Professor Flávio Marcondes, contribuíram a meu ver para apresentar à opinião pública e à classe política do Rio de Janeiro a força reflexiva e determinação compassiva do buddhismo.

Reafirmo meu apreço pela aceitação, por parte do governo Chinês, do convite de participação enviado formalmente pelo Colegiado Buddhista Brasileiro. A presença do Cônsul Geral Li Baojun representou uma pequena esperança de que a disposição pelo diálogo consciente e honesto entre as partes também ocorra nos setores chineses de relações internacionais.

Infelizmente, para o meu profundo desapontamento, as ações do Sr. Cônsul durante o evento não corresponderam àquelas expectativas. Em uma atitude pouco flexivel (a despeito de sua natureza simpática e amigável), o representante chinês limitou-se a apresentar uma versão doutrinária, extremamente alienada, e distorcida da questão tibetana. A atitude, a meu ver, confirmou para mim o caráter claramente difícil
da abordagem humanista e pacífica da questão tibetana em termos de linguagem e intenções, e que eu já havia antecipado em meu ensaio "Tibet - Entre Liberdades e Revoluções".

Não houve margem para o debate. Não houve espaço para a composição e correto esclarecimento das ações corretas ou inadequadas de todas as partes; apenas houve uma apresentação inócua e pouco coerente da versão partidária chinesa; houve uma tentativa de divulgação completamente inacurada dos fatos históricos associados às relações entre o Tibet e a China. Em meio a tudo isso, ao final de sua apresentação o Sr. Consul deixou a impressão de que o exercício de diálogo e abertura política, necessários para que a paz e a justiça prevaleça, ainda exigirá muito empenho e equilíbrio.

Saí do debate convicto de que, como buddhista e professor de dharma, devo ainda mais aprofundar minha prática de paciência e percepção correta em relação aos aspectos insalubres contidos nas mentes doutrinadas, presas a um modelo perverso de interpretação do mundo e da vida, aspectos esses que se apresentam em muitos grupos humanos, seja na China ou no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo. A tarefa
de ação hábil e adequada para superar a crueldade das instituições ditatoriais e imperialistas é árdua, pode causar ressentimentos e raiva em muitos de nós, mas não devemos de modo algum sucumbir a tais erros ignorantes.

Neste contexto, gostaria de pedir a todas as pessoas sinceramente interessadas em contribuir para o esforço de liberação dos povos oprimidos, que jamais caiam no erro de perpetuar a ignorância das mentes fanáticas e intolerantes, agindo com raiva ou agressividade. Quanto mais percebemos o grau de insalubridade nas doutrinas
ditatoriais, nos discursos pobres em discernimento, na incapacidade de muitos em saber ouvir e falar com consciência e maturidade argumentativa, mais devemos nos esforçar para evitar o ressentimento.

Após o debate, percebi que definitivamente não devemos imaginar que a injustiça e a insensibilidade são dos chineses pois também eles compartilham sofrimentos e frustrações (neste momento, também o povo chinês está vivendo a dor das perdas de vidas devido ao terremoto ocorrido no dia 12 de Maio), tal erro não pode ser imputado a toda uma nação - ou àqueles que compõem um grupo social, uma instituição
religiosa ou política, ou simplesmente um gênero sexual ou cor de pele. Um erro terrível ocorre quando imaginamos que todo um povo, toda uma classe, todo um grupo, é responsável pelas insanidades de seus governantes ou controladores. Não, a problemática está na incapacidade daqueles que são presas da motivação fanática e da visão egoísta e diferenciadora no mundo de superar sua pobreza de percepção.

Devemos buscar os meios hábeis para superar em nós mesmos esta ignorância destruidora, esta convicção espúria baseada em erros crassos de interpretação e entendimento, e que muitas vezes vemos com mais facilidade apenas nos outros; devemos praticar todos os dias a coragem de não desistir da paz, do cuidado no diálogo, e da meta maior e definitiva, capaz de curar e transformar a humanidade: o amadurecimento de nossa consciência, de nossa sabedoria, de nosso dom de resistir à falta de compaixão correta. Volto a repetir que a atitude compassiva e coerente não é uma atitude ingênua e condescendente: quem é capaz de agir com correta compreensão do outro, o faz por força de seu discernimento e não por uma ingênua atitude de passiva aceitação.

Assim, sinto que me tornei ainda mais disposto a agir com cuidado e empenho a favor da prática de compreensão no mundo. Quanto mais ouço as palavras tolas daqueles que defendem um modelo de vida injusto e perverso, me sinto mais livre. E percebo que, mesmo através de torturas, terror e assassinatos, apesar do empenho implacável em
difundir delusórias intepretações dos fatos, os homens e mulheres alienados em profundo egoísmo, os poderes controladores e intolerantes, os governos insalubres, as facções terroristas e os movimentos fanáticos jamais prevalecem. Ao final, seus nomes serão apagados na memória da Vida, os atos cruéis e injustificados serão expostos ao tempo e à história com terrível clareza, e as entranhas insalubres de suas convicções jogadas à margem da grandeza humana.

No Dharma,
Tam Huyen Van

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Sobre Tam Huyen Van (Prof. Cláudio Miklos)

Nascido em 1962, Claudio Miklos iniciou sua prática no buddhismo aos 17 anos, através da tradição Zen Soto. Participou de retiros e freqüentou locais de prática na região do Rio de Janeiro. Aos 28 anos começou a organizar grupos de estudos sobre o Buddhismo tradicional, sempre na qualidade de praticante zen leigo. Em 1994 viajou à China (Hong Kong) onde realizou uma peregrinação pessoal a diversos templos buddhistas da região do sul da China, com o objetivo de conhecer mais profundamente a tradição espiritual a qual se dedica. A partir de 1996 filiou-se informalmente à escola zen vietnamita - escola do Inter-ser (Tiep Hien) - liderada por Thich Nhat Hanh, cujos ditames e orientações vem seguindo desde então.

Em 2001 recebeu, em cerimônia formal ocorria durante um retido de Plena Atenção em Teresópolis e organizado pelo Centro Lótus e coordenado pelos monges Phap An e Phap Ung, da tradição Interser, o Nome de Dharma Tam Huyen Van (Maravilhosa Nuvem do Coração).

Atualmente, coordena grupos leigos de estudos buddhistas em Niterói e Rio de Janeiro, e escreve vários artigos sobre a prática buddhista leiga.

Site Oficial

http://tamhaovan.multiply.com

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