sexta-feira, 26 de outubro de 2007

PELA PAZ E A JUSTIÇA

Clique aqui e aja diretamente em apoio à luta democrática e não-violenta dos monges e monjas da Birmânia

Divulgamos o texto integral do discurso que foi pronunciado pelo Monge Gensho, fundador e responsável oficial do Colegiado Buddhista Brasileiro, no evento ecumênico em favor da paz e justiça em Mianmar que ocorreu na quinta-feira, 25 de Outubro, no Templo Busshinji de São Paulo.

Participaram do evento, entre outros, líderes de várias escolas budistas presentes no Brasil, representantes da sociedade civil e líderes políticos.

Manifesto Buddhista em Favor da Paz e Justiça

Senhoras e senhores, nossos estimados irmãos e irmãs unidos em paz,

Aqui estamos, unidos sob a honrosa bandeira da Compreensão e Fraternidade, além das diferenças, além dos racionalismos e conceitos rígidos, além das superficialidades e hipocrisias sociais, políticas ou religiosas, prontos para nos manifestar fortemente a favor da dignidade humana, do valor à vida e do direito à liberdade.

Seja nas vielas de favelas e guetos, seja nas ruas e moradas pobres ou abastadas , não existe momento mais desafiador para o espírito humano do que aquele terrível instante, quando toda a dignidade, amor e direitos essenciais são retirados de homens ou mulheres, crianças ou velhos, deixando-os despojados da simples e mais valiosa dádiva na sociedade: a justiça democrática e o respeito à integridade individual.

Esta manifestação é feita em prol da vida humana. A prática buddhista se fundamenta no reconhecimento cabal de que as bases psico-emocionais do ódio, da ambição, da violência e da ignorância - extremamente insalubres e destruidoras da vida e do bem-estar - não podem jamais ser transformadas e curadas sem a compreensão de que as injustiças sofridas por um indivíduo não podem ser valoradas em função de distâncias ou fronteiras; cada ação injusta na Terra representa uma vida desrespeitada, seja esta humana (independentemente se sua nacionalidade, cor, credo ou condição social) ou mesmo de outros seres no planeta. Essa é a essência da paz e da compreensão: a sabedoria de praticar o respeito aos seres e ao mundo, sem imaginar que este respeito somente nos fala se ele estiver sendo praticado em nossa comunidade, em nosso país, em nossa vizinhança. Estamos todos integrados, somos todos parte de um processo crucial de crescimento e aprendizagem espiritual - esta é uma verdade inalienável.

O buddhismo, como religião constituída, sustenta-se na prática constante de uma ética da consciência, no exercício permanente de compreensão e compaixão profunda, e no respeito à pluralidade de posturas e convicções. Mas não é uma religião condescendente ao fanatismo, à corrupção política ou social, e ao supremo domínio do poder militar, do terrorismo de estado.

Desta forma, o Colegiado Buddhista Brasileiro, entidade pluralista e multidisciplinar que procura contribuir para o diálogo e a cooperação entre os vários líderes, orientadores e praticantes buddhistas pertencentes às suas diversas escolas tradicionais, vem a público manifestar seu repúdio ao tratamento degradante, criminoso e trágico que o governo ditatorial de Myanmar está perpetrando neste país. Neste momento, monges e civis estão sofrendo mortes, seqüestros, torturas e prisões. Segundo fontes da imprensa os monges tomaram as ruas da capital Yangon e de outras cidades meses atrás entoando trechos de escrituras buddhistas, dentre eles o Metta Sutta que exalta o amor e a compaixão aos seres humanos. O que começou com algumas dúzias de monásticos desejosos de justiça e respeito social para todos tornou-se uma das maiores manifestações naquele país, mas com uma característica ímpar: imbuídos de extrema compaixão, os monges solicitaram à população leiga que não os acompanhassem, nem que fizessem quaisquer movimentos contra o governo, de modo que tais leigos não sofressem represálias.

O direito à palavra, ao protesto pacífico, agora está sendo cerceado e vergonhosamente reprimido, e o uso indiscriminado da força coercitiva está sendo feito com o objetivo de sustentar um governo impróprio e tiranizador, apoiado por políticas espúrias e gananciosas de países poderosos, como a China. Não é preciso muito para se corromper. Um pouco de poder, um pouco de elogio, um pouco de ilusão sobre si mesmo e o passado é esquecido, o caráter moral é colocado de lado, e lavamos as mãos. Desta forma, o governo da China (ele mesmo um dos mais responsáveis por atrocidades e desrespeito aos direitos civis nos últimos 60 anos, em especial no Tibet) - juntamente com outros governos submissos aos ditames da hipocrisia política e ao insaciável vício dos ganhos materiais - têm se mantido declaradamente desinteressado em agir para que o sistema repressor de Myanmar aceite um mínimo de abertura político-social. O governo chinês afirma que a crise na Birmânia é um 'assunto interno'. Mas tal assunto interno não impede ou impediu que por décadas este mesmo governo chinês influenciasse ativamente a política birmanesa e retirasse seus pomposos lucros. Esse é o mundo em que vivemos, o da mentira institucionalizada, o do lucro pessoal sobrepujando qualquer dignidade e defesa por causas mais que justas.


Em outro extremo, temos a ONU (tristemente diminuída em seu direito e poder como legisladora das melhores práticas na diplomacia mundial, e sem condições para intervir com determinação e eficiência em governos claramente insensíveis aos anseios de seus próprios cidadãos) em uma contínua busca por fomentar um consenso realmente válido entre os países que determinam e controlam suas ações - a saber, os Estados Unidos, a China, Rússia, França e Inglaterra.

Juntamente a estas sérias críticas, o Colegiado Buddhista deseja manifestar o seu mais profundo pesar e protesto ao comportamento covarde e omisso da chancelaria brasileira, em mais um momento importante na história das relações internacionais. O Brasil, certamente o mais influente país da América Latina, não pode sustentar o argumento de que uma opinião oficial a respeito não tenha influência.
É certo que uma declaração veemente e direta a favor do bem maior da população civil birmanesa, e uma ação contundente contra aquela ditadura baseada em sanções políticas que não prejudiquem o seu povo, seria uma forma digna e correta do governo brasileiro atual demonstrar-se realmente capaz de agir com força e coragem para contribuir pelo desenvolvimento de uma nova política mundial de inter-relações governamentais, e reforçar o valor do Brasil como um membro atuante e firme no cenário político-social do planeta.

Entretanto, o governo brasileiro mais uma vez prefere fazer-se míope às imagens de sofrimento e repressão (esquecendo do terrível passado ditatorial de nosso país) e surdo aos protestos e ao bom senso, e opta por divulgar uma declaração pobre e superficial, onde admite seu desinteresse e incapacidade em agir de forma soberana e independente. Corroborando pressões de ideologias internacionais perversamente cerceadoras dos direitos humanos, e subordinando-se puramente à sedução das vantagens e lucros adquiridos em acordos econômico de interesse, o governo brasileiro vergonhosamente se faz valer de palavras inócuas, declarações ambíguas e um não-envolvimento inadmissível para um país com tanta influência potencial nos assuntos mundiais como o nosso.

O mundo atual sofre uma grave crise humanista, e não humanitária. Por crise de humanismo queremos dizer uma crise de contato, inter-relações, honestidade e valores éticos fundamentados em consciência e discernimento - e não em políticas de poder militar intervencionista, em discursos diplomáticos inócuos e ineficientes ou em artificialismo assistencialista direcionado às populações em crise. Esta é uma situação que, em essência, depende de uma corajosa manifestação em favor de ações governamentais renovadoras e claramente eficientes. Ao mesmo tempo, cabe à sociedade civil brasileira - representada pelos seus mais conscientes líderes e organizadores - apresentar ao mundo uma visão integrada, amadurecida, da problemática do sofrimento, da violência e do trato aos regimes de exceção.

Já não cabe mais debatermos fórmulas sobre o fim dos crimes sociais apenas em nossos bairros, cidades e em nosso próprio país; é imprescindível que compreendamos o fenômeno do ódio, da ignorância e da violência tendo como base a natureza insalubre das relações humanas em âmbito mundial, e o caráter completamente incorreto no modo como as instituições sociais e políticas desenvolvem seus parâmetros de ação e gerenciamento das profundas e complexas estruturas organizacionais dos assuntos humanos. O problema não é apenas nosso (dos brasileiros), mas de todos nós (dos seres humanos), em todo o mundo e além de qualquer fronteira.

Colegiado Buddhista Brasileiro


Para acompanhar os acontecimentos de Mianmar em português, clique aqui.

Para um resumo dos antecedentes das notícias mais recentes, clique aqui.

Leia a Declaração de Suporte à luta democrática birmanesa do Colegiado Buddhista Brasileiro (CBB)

Para acompanhar os acontecimentos de Mianmar em inglês ou em birmanês:

Mizzima News (Site da oposição birmanesa no exílio, em inglês)

Burma Watch (Organização de suporte ao movimento democrático, em inglês)

Associação de Ajuda aos Prisioneiros Políticos (Assistance Association for Political Prisoners, AAPP) - Site em inglês

Ko Htike’s Prosaic Collection (Blog em inglês e birmanês)

Myochit Myanmar (Blog em inglês e birmanês)

Mr. Jade (Blog em inglês e birmanês)

Nenhum comentário: